Caetano Veloso emociona (e divide opiniões) ao cantar ‘Deus Cuida de Mim’ na turnê com Maria Bethânia”

Caetano Veloso emociona (e divide opiniões) ao cantar ‘Deus Cuida de Mim’ na turnê com Maria Bethânia”

A música brasileira viveu, nos últimos dias, um daqueles momentos que só artistas como Caetano Veloso são capazes de proporcionar: um cruzamento inesperado entre fé, arte e cultura popular. Durante a turnê conjunta com sua irmã, Maria Bethânia, Caetano surpreendeu a plateia ao interpretar, em seu repertório solo, a canção “Deus Cuida de Mim”, sucesso do pastor e cantor gospel Kleber Lucas.

A escolha pegou muita gente de surpresa — e não era para menos. O público, majoritariamente secular e acostumado com o repertório sofisticado, poético e, muitas vezes, provocador do baiano, não reagiu de forma calorosa. E isso, segundo o próprio artista, já era esperado.

Em comunicado divulgado no dia 1º de junho, Caetano foi honesto:

“Notei que a maioria reagia de forma morna, mas também vi algumas pessoas se emocionando e cantando comigo. Minha atenção estava voltada à canção em si.”

O episódio abriu um debate nas redes. De um lado, fãs encantados com a sensibilidade de Caetano em incluir uma música de temática espiritual, independente de fronteiras religiosas. De outro, críticas — algumas até hostis —, especialmente de segmentos mais ateus ou laicos, que não compreenderam a escolha.

O curioso é que, para quem acompanha a trajetória de Caetano Veloso, esse tipo de manifestação não deveria ser surpresa. A religiosidade, seja ela católica, afro-brasileira, espiritual ou até filosófica, sempre esteve presente na obra do artista. Basta lembrar da belíssima versão de “Ave Maria” em latim, lançada ainda em 1967, ou da poética “Escapulário”, em que mistura Oswald de Andrade e oração. Outras faixas, como “Graça Divina” (2002) e “Peço a Deus”, também são marcas desse flerte entre fé e arte.

O que talvez tenha acendido o desconforto agora é o fato de “Deus Cuida de Mim” ser uma canção associada diretamente ao universo evangélico, um campo que, nos últimos anos, acabou sendo politizado e, muitas vezes, colocado em oposição a pautas progressistas com as quais Caetano se alinha. Essa tensão, velada ou explícita, parece ecoar nas reações do público.

Ainda assim, Caetano, fiel a si mesmo, não se deixa moldar pelas expectativas alheias. Em suas falas, deixa claro que sua motivação é mais profunda:

“Inserir essa música é também uma forma de refletir sobre o mundo em que vivemos, sobre como as pessoas buscam sentido e proteção num tempo tão complexo.”

Além do gesto simbólico, o cantor também aproveitou o palco para exaltar movimentos culturais da Bahia, como o BaianaSystem, destacando o papel do grupo na resistência cultural e na construção de uma cena musical vibrante e politicamente consciente.

No fim das contas, Caetano Veloso segue fazendo o que sempre fez: provocar, emocionar, questionar. E, dessa vez, escolheu fazer isso através de uma oração musicada. Quem esperava conforto, recebeu reflexão. Quem esperava previsibilidade, recebeu um lembrete de que a arte, assim como a fé, é feita de encontros improváveis — e absolutamente necessários.

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